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Mais de 70% das mortes no trabalho no RS são desconhecidas da fiscalização

Mais de 70% das mortes no trabalho no RS são desconhecidas da fiscalização

Distorção é explicada pela quantidade de trabalhadores sem vínculo com a Previdência Social e pela omissão dos empregadores

Das mortes que aconteceram em acidentes ou por doenças do trabalho no Rio Grande do Sul em 2016, 72,5% não chegaram ao conhecimento do INSS e nem dos órgãos fiscalizadores. É o que mostra o levantamento feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério Público do Trabalho (MPT), divulgado na tarde desta quinta-feira (26), em Porto Alegre. 

De acordo com o estudo, 206 trabalhadores formais morreram em decorrência de atividades trabalhistas naquele ano no Estado. No entanto, apenas 139 óbitos foram informados à Previdência Social. 

O impacto é ainda maior quando são incluídas na contagem categorias como trabalhadores informais, servidores públicos não celetistas, empresários e autônomos. Segundo o levantamento, neste caso, o número de acidentes fatais salta para 506 durante todo o ano. Com isso, 367 casos ficaram de fora dos sistemas dos órgãos fiscalizadores.  

Um dos motivos para a distorção é que as Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) — documento fornecido, via de regra, pelos empregadores para informar ao INSS acidentes laborais — abrangem menos de 50% dos trabalhadores, pois é exigida apenas para acidentes envolvendo empregados com carteira assinada. Esta é a fonte primária de informação tanto do MPT quanto do MTE. Outra razão é a omissão dos empregadores para escapar das multas por negligência.

As 367 mortes não informadas em 2016 só foram descobertas após cruzamento de dados das polícias Civil, Rodoviária Federal e Rodoviária Estadual, do Sistema Único de Saúde (SUS), do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT) e do registro de óbitos de servidores públicos.  

— Não comunicar o INSS é uma tática muito utilizada pelos empregadores para fuga de responsabilidade. Não se faz o reconhecimento da morte por causa laboral porque, se for constatada negligência, a empresa será penalizada. Assim, os empresários conseguem evitar a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego — explica o auditor-fiscal do MTE Otávio Rodrigues, responsável pelo levantamento. 

Com um diagnóstico mais preciso, o procurador do MPT Rogério Fleischmann acredita que será possível adotar medidas preventivas condizentes com a realidade, como audiências públicas no interior do Estado para alertar sobre o risco de acidentes envolvendo tratores. O veículo rural foi o quarto maior causador de mortes no trabalho em 2016, conforme o levantamento.

— Tínhamos um diagnóstico equivocado que pautava as políticas públicas. Sabemos que a nossa cultura é voltada a olhar para o lucro e não para segurança e saúde no trabalho. Vamos continuar com as investigações que levam à repressão, mas, também, formar consciência preventiva — argumenta Fleischmann. 

Para o o auditor-fiscal do MTE, é preciso apostar em projetos de segurança, trabalhadores com qualificação técnica e maquinário adequado. 

— Se isso não for levado em consideração, o empregado se machuca ou machuca algum colega. Na maioria dos casos não é descuido, é falta de qualificação, orientação e supervisão — complementa Rodrigues. 

O Ministério Público do Trabalho irá representar contra os empresários que omitiram os acidentes e eles também estarão sujeitos a ressarcir a Previdência Social por prejuízo causado ao erário por negligência. 

Maioria das mortes no trabalho é por doença

Distorção nos dados sobre morte por doença ocupacional pode indicar números ainda mais distantes da realidade. Os dados oficiais do RS mostram que apenas 11 pessoas, entre 2011 e 2016, morreram por enfermidade laboral. Nenhuma delas por câncer.

 — É praticamente impossível que nenhum trabalhador tenha morrido de câncer adquirido no local de trabalho por inalação de algum produto tóxico ou manuseio de substâncias químicas, como amianto — sublinha Rodrigues, citando que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que a cada morte por acidente de trabalho, haja seis ou sete óbitos por doença.

De acordo com Rodrigues, em pelo menos seis dos 11 casos há suspeita de erro, pois no sistema do INSS constam como motivos dos óbitos arma de fogo, choque elétrico e concussão cerebral.  

 — A grande maioria das mortes não é por acidente. É por doença. O problema é que esses casos não vêm sendo registrados por diferentes motivos. Muitas vezes é pela dificuldade de se fazer um nexo claro da doença com a atividade profissional ou porque o trabalhador passa por múltiplas empresas e não se sabe em qual adquiriu a doença ou se foi o somatório de todas as atividades. O sistema de saúde, muitas vezes, não pergunta ao doente qual era sua profissão. A família, por sua vez, não notifica ou desconhece a causa. O que está claro para nós é que o número registrado em CAT é irrisório — complementa o auditor-fiscal, acrescentando que os sintomas do adoecimento ocupacional são, em termos gerais, silenciosos e só se manifestam décadas depois. 

O levantamento

O estudo feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) durou um ano e foi divulgado nesta quinta-feira (26), no Largo Glênio Peres, em evento alusivo ao Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, lembrado em 28 de abril. A ação foi organizada pela Secretaria de Saúde de Porto Alegre. 

Entre as atividades que marcam a data estão a Campanha Nacional de Prevenção aos Acidentes do Trabalho, lançada durante a cerimônia, e o Abril Verde, caracterizado pela iluminação que desde o início do mês colore pontos conhecidos da Capital, como a Ponte do Guaíba e o prédio do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

fonte: ZH